3 de outubro de 2024
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COMO COLABORAR COM O COMBATE E ENFRENTAMENTO Á VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

COMO COLABORAR COM O COMBATE E ENFRENTAMENTO Á VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

Valdilene Oliveira Martins*


A violência doméstica e familiar contra a mulher é um problema que atinge indiscriminadamente as mulheres em todo o mundo, se configurando uma PANDEMIA.
Este tipo de violência possui contornos diferenciados, que decorre da educação machista, que menospreza o feminino gerada pela cultura patriarcal, infelizmente, ainda vigente em nossa sociedade. Essa visão cultural deturpada que prega uma suposta supremacia masculina propicia uma desigualdade de gênero, que resulta num desequilíbrio nas relações de convivência social, afetiva e familiar, entre homens e mulheres.
São casos que ocorrem e independem da classe social, da categoria profissional, da etnia e do credo das mulheres, posto que o machismo é estrutural e, neste sentido, atinge a todas, não eximindo, portanto, as advogadas de se encontrarem em situação de violência ou os advogados de serem os autores de agressões.
Para desconstruir essa cultura que se apresenta como um câncer social, descremos abaixo algumas informações necessárias para que toda a sociedade possa atua, juntamente como Estado para combater esse mal:

1. São cinco os tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher, contidas na Lei Maria da Penha, conforme constante no artigo 7º, quais sejam:
Física – Entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher.
Psicológica – É considerada qualquer conduta que: cause dano emocional e diminuição da autoestima; prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher; ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões.
Sexual – Trata-se de qualquer conduta que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.
Patrimonial – Entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
Moral – É considerada qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

2. As mulheres, em situação de violência doméstica e familiar, sofrem muito mais ainda quando buscam os meios para denunciar os seus algozes, (elas são julgadas o tempo todo, sofrem violência institucional, ficam sem os apoios das pessoas conhecidas, das famílias, da sociedade, ficam inseguras quanto a ação do Estado…), inclusive a palavra delas é muito questionada, posta em xeque a toda hora, até porque, de regra, os réus são pessoas bem vistas socialmente e o lado macabro que eles possuem, é conhecido apenas pela família;

3. O fato de haver uma reconciliação do casal envolvido na lide, não deve ser motivo para deixar de socorrer e atender a ofendida. O que deve ser relevante para o aparato Estatal É A VIDA E A INTEGRIDADE FISICA da ofendida, bem como a responsabilização e a punição do agressor, pelos CRIMES COMETIDOS, em caso de condenação. A ofendida deve ser acolhida e as assistências jurídica, social e psicológica, devem ser disponibilizadas para ela.

4. A dependência financeira ainda é a maior responsável pela sujeição feminina, destacando-se que, além dela, existem ainda outros tipos de dependências, a exemplo da psicológica, e da afetiva, por isso não é fácil para as mulheres, em situação de violência, alcançarem as suas liberdades porque, além de todo o sofrimento a que elas e outras pessoas da família são submetidas, elas ainda são reféns do afeto que sentem pelos seus algozes;

5. Vale ressaltar que as Mulheres em situação de violência não precisam ser “santas” para serem assistidas pelo Estado, nenhum comportamento da vítima tipo, adultério ou loucura, (que os réus sempre alegam), justifica a violência praticada contra elas;

6. Não devemos culpar, nem julgar as mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Elas precisam do apoio de familiares, da colaboração da vizinhança, das pessoas amigas, de colegas de trabalho e, sobretudo, elas precisam da ação efetiva do Estado, mas se tem algo que elas NÃO PRECISAM, É DE JULGAMENTO;

7. Os principais sentimentos das mulheres em situação de violência são MEDO, VERGONHA e CULPA, por isso elas hesitam em denunciar os seus agressores. Quando elas não os denunciam, são consideradas mulheres sem vergonha, que gostam de sofrer e de apanhar, mas quando elas os denunciam, são acusadas de terem destruído as suas famílias e de não terem esperado com paciência, a “melhora” dos agressores;

8. Em casos de violência física a ação é pública incondicionada (não precisa da representação da ofendida), mas será necessário que ela seja encaminhada, pela delegacia, para fazer o exame de corpo de delito;

9. Caso a vitima não consiga fazer o exame de corpo de delito no órgão oficial, ela pode se dirigir a uma Unidade Básica de Saúde e solicitar a/ao médica/o de plantão que depois de examiná-la, emita um relatório médico descrevendo as lesões;

10. Caso necessário, objetivando preservar a vida e a integridade da ofendida, desde que ela concorde, a autoridade policial poderá encaminhá-la para a casa abrigo municipal ou estadual;

11. A violência psicológica pode ser enquadrada na segunda parte do Caput do art. 129 do Código Penal (Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem), porque pelo conceito de saúde da OMS saúde é “um estado de completo bem estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Se a ofendida já tiver acompanhamento psicológico, com tempo suficiente, é bom solicitar um laudo da profissional que a acompanha, para respaldar a tese;

12. A ASSISTÊNCIA JURIDICA À OFENDIDA, pelos art. 27 e 28 da Lei Maria da Penha, é OBRIGATÓRIA, diferentemente da assistência à acusação, dos art. 268 e 269 do Código de Processo Penal, que é facultativa. Portanto, em se tratando da Lei Maria da Penha, a ofendida deve ser acompanhada por profissional da advocacia, caso ela não possa pagar por este serviço, o Estado é obrigado, por força de lei, a fornecê-lo, através da defensoria pública ou da advocacia dativa;

13. É preciso que exista toda uma rede de atendimento às mulheres em situação de violência, institucionalizada pelo Município e/ou Estado, funcionando de forma EFETIVA e EFICAZ, para que elas tenham todo o suporte necessário para dar continuidade as suas vidas;


14. As patrulhas Maria da Penha, que fazem parte da rede de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, fiscalizam o cumprimento das medidas protetivas de urgência, encaminhadas pelo Poder Judiciário, portanto, elas possuem caráter ostensivo e preventivo, pois ajudam também a inibir futuras condutas;

15. As Medidas protetivas de urgência são diversas e elas estão nos artigos 22, 23 e 24 da Lei Maria da Penha. No artigo 22 estão as medidas protetivas de urgência que obrigam o réu, já nos artigos 23 e 24 estão as medidas protetivas de urgência para a ofendida;

16. O artigo 24-A da lei foi inserido pela lei nº 13.641/2018 e torna crime a conduta de descumprir medidas protetivas. Anteriormente, o descumprimento de medidas protetivas era punido apenas com a imposição de multa ou a decretação da prisão preventiva. Destaca-se que cabe participação no crime, se terceira pessoa interferir para intermediar contato entre a ofendida e o agressor;

17. Homens agressores acreditam numa suposta supremacia masculina e reproduzem o ciclo de violência doméstica, que é repassado de geração a geração. Esses homens possuem uma visão machista e misógina de mulher como objeto, como coisa, extensão do seu patrimônio e ainda acreditam ter poder de vida e morte sobre elas;

18. A Lei Maria da Penha se aplica ao gênero feminino, ou seja, no polo passivo (na condição de vítima), só poderá se encontrar pessoa do gênero feminino (mulheres cisgênero, transgênero e travestis), já no polo ativo (na autoria do crime) pode ser pessoa de qualquer gênero;

19. Em caso de pessoa do gênero masculino (homens cisgênero e transgênero), que vier a ser vítima de violência doméstica e familiar de quaisquer tipos, deverá recorrer ao art. 129, parágrafo 9° do Código Penal, e/ou, a depender do caso, aos tipos penais contidos no referido Código, a exemplo dos crimes de calúnia, injúria, difamação, ameaça, dentre outros. Sendo necessário o homem vítima pode recorrer às medidas cautelares existentes nos artigos 319 e 320 do Código de Processo Penal.

*Valdilene Oliveira Martins
Advogada de família e criminalista, que atua exclusivamente na assistência jurídica de mulheres em situação de violência doméstica e familiar, presidente do Instituto RESSURGIR Sergipe