O que fazer se um homem sofrer violência doméstica e familiar?
*Valdilene Oliveira Martins
Vivemos em uma sociedade em crescente evolução, que, ao mesmo tempo, possui civilidade duvidosa. Não existe equidade de gênero, igualdade racial, nem justiça social. Infelizmente, a mulher ainda ocupa um papel submisso. Quando falamos que as mulheres são vistas como inferiores e como propriedade dos homens, objetos de uso ou mercadoria, nos reportamos às estruturas do patriarcado, de onde decorrem o machismo, a misoginia e o racismo, que impõem uma realidade de dominação e exploração das mulheres.
Na organização familiar, por exemplo, a forma como homens e mulheres são ensinados a se relacionar, é composta por uma série de violências, que aparecem sob a forma de agressões física, moral, psicológica, sexual e patrimonial, que maltratam, aviltam, molestam, subjugam, machucam e adoecem. Além disso, as mulheres, corriqueiramente, são vítimas de humilhações, ofensas disfarçadas de brincadeiras, críticas, controle da maneira de ser, de se vestir, de pensar e de se expressar. Muitos relacionamentos afetivos levam as mulheres ao isolamento social, sendo proibidas de manter contato com as pessoas amigas e familiares, o que também são formas de violência.
Portanto, a Lei Maria da Penha e as políticas públicas que estão aí para a prevenção, o combate e o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, existem para tornar mais equilibradas e justas as relações entre os gêneros.
Com base no artigo 5° da Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340/2006 a violência doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
Conforme já mencionado acima, o contexto familiar é bastante complexo, portanto, podem até ocorrer também casos de homens que sofram violência, no âmbito doméstico e familiar, mas, mesmo que existam esses casos, nunca será da mesma forma que ocorre com as mulheres. Isso é muito fácil de constatar, não precisa buscar pesquisa científica, apesar de existirem muitas, acessíveis na internet.
Então, o que fazer se um homem sofrer violência doméstica e familiar?
Caso um homem venha a sofrer qualquer tipo de agressão no âmbito doméstico e familiar, ele poderá recorrer ao código penal, pois lá estão vários tipos penais, dos quais ele pode se socorrer, a exemplo do:
Art. 129, parágrafo 9°:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
(…)
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
Artigo 138:
Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º – É punível a calúnia contra os mortos.
Exceção da verdade
§ 3º – Admite-se a prova da verdade, salvo:
I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;
II – se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;
III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
Artigo 139:
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Exceção da verdade
Parágrafo único – A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
Artigo 140:
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena – reclusão de um a três anos e multa.
Artigo 147:
Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único – Somente se procede mediante representação.
Além do mais, caso seja necessário, esse homem vítima, ainda pode solicitar as medidas cautelares contidas no código de processo penal:
Artigos 319 e 320:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades
II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações
III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração
VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial
IX – monitoração eletrônica
§ 4o A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.
Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.
Vale destacar que o Boletim de Ocorrência, contra a pessoa agressora, pode ser prestado na delegacia mais próxima da residência da vítima ou na delegacia especializa, se a vítima for vulnerável e se existir a especializada onde a vitima residir.
Portanto, existe sim um aparato legal para pessoas do gênero masculino que sofrerem violência doméstica e familiar, no código penal, além Estatuto da Criança e do Adolescente, para os menores de 18 anos de idade, o Estatuto da Pessoa Idosa, para maiores de 65 anos de idade e o Estatuto da Pessoa com Deficiência para os que tiverem alguma deficiência.
Desta forma, fica claro que os homens não estão sem proteção legal, quando se trata da violência doméstica e familiar, só porque eles não podem recorrer a Lei Maria da Penha.
Ressalta-se que, nos casos raríssimos em que homens ocupam o local de vítima, no âmbito doméstico e familiar, eles, raramente, eles buscam ajuda e denunciam, não por medo da pessoa agressora, mas por correm o risco de virarem chacota. Ainda vivemos sob a égide da cultura patriarcal, onde o machismo permanece vivo e desta forma, os homens devem ser violentos e sempre os algozes e só podem chegar numa delegacia como agressores, mas nunca como vítimas de agressão, especialmente se esta foi praticada por uma mulher.
Se pedirmos pra qualquer pessoa buscar nas notícias de todo o Brasil nomes de homens agredidos ou mortos por mulheres, pelo simples fato de serem homens, acredito que esta pessoa não logrará êxito, mas ao contrário, vemos isso todos os dias, aliás, todas as horas…
Lembremos que o Brasil detém o 5° lugar no ranking, dentre 83 países, que mais matam mulheres, pelo simples fato de serem mulheres!
*Valdilene Oliveira Martins
Advogada de família e criminalista, que atua exclusivamente na assistência jurídica de mulheres em situação de violência doméstica e familiar, presidente do Instituto RESSURGIR Sergipe